Este ano comemoraram-se 50 anos desde a célebre madrugada de Abril que rompeu com a agonia de meio século de ditadura. É um marco para reflexão, a prolongar-se pelo quotidiano deste cinquentenário, em vez de ser limitada ao próprio dia 25. Portanto, numa tarde de Agosto, faço a seguinte pergunta: 50 anos depois da tal madrugada de Abril, que país somos? E que país continuamos a ser?

Aos meus olhos, somos um país em que, apesar da instauração da democracia, da Constituição de 76 e de todos os atos eleitorais democraticamente realizados desde então, as mentalidades herdeiras de um passado de autoritarismo, pobreza, indiferença e subserviência ainda perduram no nosso subconsciente popular. E porquê? Porque continuamos a ser um país onde “política e religião não se discutem à mesa”! Onde o que importa é fazer. Ou melhor, mostrar que se está a fazer! Sem que se debata real e aprofundadamente coisa alguma (excepto em combates de boxe de 25 minutos, mediados por um jornalista, desejoso por ser o vencedor do combate).

Como bem diria Antero de Quental, continuamos a ser um país que não faz religião, mas que a aceita feita. Dois terços da população ignora completamente a teleologia e os mistérios religiosos, mas venera fielmente os santos padroeiros das suas freguesias. Um pouco como na política, onde a ideologia e o debate dos problemas estruturais cedem perante os dogmas religiosa e condescendentemente professados, perante as promessas de esmola paliativa e conjuntural e, sobretudo, perante a piroseira do personalismo napoleónico e sebastiânico dos líderes partidários, criaturas de inexcedível carisma, produzido por consultores de comunicação e incutido na opinião pública como prova de preparação do “chefe” para a governação da Nação (ou do Município), para posteriormente ser objeto de veneração milagreira ou protagonista de pedidos de resgaste financeiro…

Continuamos um país em que as associações e os sindicatos, que poderiam servir como pilares de uma democracia participativa, continuam a ser apêndices dos partidos e com os seus dirigentes mais interessados no mediatismo do que na representação dos associados.

E 50 anos de “Abril” ainda não foram suficientes para erradicar o excesso de centralismo, as tendências de imperialismo do poder executivo (entenda-se, do partido que chegue ao poder e dos Srs. Drs. Ministros das Finanças) e o desrespeito pelo(s) Parlamento(s). Com o requinte de um presidencialismo velado, dominador e maquiavélico. Um país não com separação, nem interdependência, mas com uma invejosamente destrutiva concorrência de poderes, um retrato político ampliado do “ser” português.

Eis, pois, algumas reflexões do meu Portugal. Nascidas de quem veio ao mundo 27 anos depois de Abril. E que não se encaixa nos 47% de portugueses que apoiaria um “líder forte sem eleições”… 50 anos depois de Abril, já temos uma democracia político-eleitoralmente bem consolidada. Parafraseando o Zeca, o que faz falta é democratizar a malta! (continua)

Publicado no jornal a 7 de agosto. Outras opiniões: Romeu Cunha Reis, Miguel Torres, João Paulo Meneses, e Carolina Vilano.

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