Nasci em 2001. Tinha sete anos quando o Acordo Ortográfico (AO) de 1990 foi ratificado em Portugal. Quando entrei para a escola, a Básica de Aveleda, aprendi a escrever “à antiga”, percorrendo todo o ensino primário com o anterior acordo ortográfico. Até transitar para o segundo ciclo, onde chapei de frente com a “novílingua” portuguesa. Era o início de uma “golden age” linguística, prestes a unir povos e mares…

Hoje, com 24 anos, universitário de Direito – ainda por cima –, a dupla grafia é uma inconsciente constante do meu quotidiano. Ora tanto respondo a um Whatsapp com o meu habitual e pardacento “ótimo!”, como de seguida lá estou eu a espetar um “susceptível” nalgum texto escrito… E só com a chegada à universidade e ao mundo encantado das dissertações – onde há reis, princesas e dragões – é que descobri a patologia da “ortografia incoerente”. Mais uma especialidade para a Ordem dos Médicos… E com aparente terapia para a remissão completa: é só escolher entre a “velhílingua” e a “novilíngua”.

Portanto, mais uma guerra (no meu) interior. Perdida, logo à partida. Nem vale a pena lutar. Ambas as “línguas” fazem parte de mim e da minha formação. Bem sei que não sou perfeito e que, como qualquer homo sapiens, tenho as minhas incoerências. Agora, ser ortograficamente incoerente… Não foi premeditado, confesso. E, no entanto, apesar de tudo, esta é, de todas, a incoerência que menos me aflige. Mas, por imposição normativa, não deixa de ser uma incoerência. Com a respectiva inconveniência.

Pergunto: mas por que diabo não poderia haver uma norma que viesse a permitir a utilização das duas línguas para quem, como eu, nasceu na década de 90 ou inícios de 2000? Será que os nossos legisladores não conhecem o conceito de “normas transitórias”? Ou será que tenho que lançar uma petição em nome dos infelizes nascidos nesta encruzilhada linguística?

Brincadeiras à parte, a (in)eficácia do AO poderia ser objeto de alguma ocasional discussão política. Bem sei que visava unir a portugalidade, projetando-a mundialmente e satisfazendo os nossos interesses económicos e diplomáticos. “Cumprir Portugal”, diriam alguns (meus conhecidos), evocando Pessoa. O que não rebato. Não há nada que rebater. É um argumento de estrabismo economicista, desprovido de qualquer substância cultural.

Apenas entristece-me o abandono desta causa pela classe docente, que deixou o debate político-educacional reduzido à discussão salarial, para gáudio dos seus sindicatos. E eu sei: as remunerações são obviamente fundamentais para a motivação dos docentes na realização de um ensino com qualidade. Mas estão longe de preencher o tanto que se poderia e deveria mudar na educação em Portugal: os métodos de ensino, os currículos, o cultivar da paixão pela sabedoria nos alunos, uma língua portuguesa coerente…

E o Acordo Ortográfico, esse, produziu uma mixórdia linguística.

Um desacordo ortográfico.

Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave e que já encontra à venda nas bancas.

Outros autores de opinião no mesmo número : Abel Maia, João Paulo Meneses, Francisco Mesquita, Gualter Sarmento e Carolina Vilano.

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