A edição do Terras do Ave, que está nas bancas, tem a rubrica “O que é feito de si?” com uma entrevista ao economista vilacondense Carlos Costa, com 66 anos de idade.

Ontem publicámos, aqui, a versão com o trajeto da infância à sua vida profissional (encontra no final desta página um acesso a esse tramo da entrevista).

E hoje temos a oportunidade de colocar a parte em que fazemos a abordagem ao Rio Ave do qual foi presidente e à vida política (foi vereador eleito, como independente, pelo PSD).

 

Qual foi a sua ligação à política?

O meu pai era republicano convicto e talvez por influência disso fui um dos fundadores da Juventude Socialista em Vila do Conde. Eu o engenheiro Pinho, o João Malheiro e o João Carvalho. Foi a única força onde militei, logo a seguir ao 25 de abril.

Eram tempos quentes.

Naquela altura o nosso conceito de abrilada tinha muito a ver com a ideologia. Intervim na revisão dos estatutos do PS com o José Luis Nunes, que era um destacado ideólogo do Partido Socialista do Porto, e com todo aquele espírito todo revolucionário, fui também um simpatizante, nunca militante, do MRPP.

Sempre à esquerda.

Na faculdade fui um estudante marxista e sempre tive um respeito muito grande pelos militantes do Partido Comunista Português. Podia-se concordar ou discordar, mas tinham uma identidade definida marcada pela ideologia.

Hoje não é tão vincado esse interesse pela ideologia?

Hoje há um oposicionismo contra um pequeno sistema instalado. E com contestação porque as pessoas não sabem viver com pouco. Um jovem com 21 anos, que ainda não fez nada pela vida, julga que tem direito a uma casa própria. Na minha época, e ao longo de muitos anos, os 5, 6, 7 irmãos, eram todos criados com os pais e à medida que iam criando o seu pé-de-meia, é que saiam para uma casa própria. Hoje, diz-se: quem casa quer casa. E isso não é verdade. Quando esta cultura, que não é de carácter político-ideológico, mas familiar, não consegue administrar valores, não há sociedade que resista.

Os anos prosseguem e entra nas eleições autárquicas, mas pelos sociais-democratas.

Em 1985 e já era dirigente do Rio Ave. Fui convidado pelo falecido Orlando Taipa que era um amigo de casa. O meu pai e a minha mãe tinham um respeito muito grande por ele. Fui na lista como independente. Quando o eng. Carlos Duarte saiu, fui substituí-lo e estive na câmara dois anos.

Foi uma experiência enriquecedora?

Nunca fui um obrigacionista partidário. Na altura, tomei muitas decisões contrárias à vontade do partido pelo qual eu, independente, fui eleito. A minha vontade de vilacondense obrigava-me fazê-lo. E tive vários problemas no partido. Mas sempre disse: a única coisa que posso fazer é sair. Além disso, a minha relação com o Mário Almeida [presidente da câmara] foi sempre aberta, concordando ou discordando. Nunca, na minha vida, lhe pedi nenhum favor, mas se tivesse de apoiar uma decisão dele, fazia sem problemas. Fui sempre independente.

E no final desse mandato termina também com a política?

Acabou porque, para mim, a política implicava muita proximidade à população. E para fazer esse papel tinha de deixar a minha vida profissional. Nunca continuaria na política só para fazer de conta. E nessa altura já tinha muitas responsabilidades com empresas que ainda hoje são minhas clientes.

Mas ainda é uma pessoa nova, não se vê a regressar à política?

Nada me motiva para estar na política. A política que hoje é feita tem algumas síndromes de culto de personalidade, se calhar naturais, mas, na minha opinião, ou se discutem planos estratégicos, ou não vale a pena estar-se na política.

Mas acompanha a vida política local?

Estou um pouco afastado, mas sou amigo do Vítor Costa [atual presidente da Câmara e candidato do PS]. E acho que Vila do Conde dificilmente elegerá um presidente que não seja da sede do concelho. De uma forma genérica, espero que todos se respeitem na próxima campanha eleitoral.

 

Rio Ave: “não consigo entrar na minha casa se estiver lá um inquilino”

 

Quando surge o seu gosto pelo desporto?

Em menino jogava bem a bola, dizem os comentadores televisivos.

Mas há pouco disse-nos que na escola não tinha colegas…

Nessa altura jogava à bola sozinho contra a parede. Mas em setembro íamos para uma quinta em Tougues, dos meus avós, e lá fazíamos jogos. Eu, colegas e vizinhos. E na cidade jogávamos na correção, no parque de ténis, perto do Praia Azul, por aí…

E na adolescência pratica a modalidade?

No liceu acho que fui dos bons jogadores tal como o Ambrósio, já falecido, que jogou no Varzim.

Mas sempre de uma forma descontraída?

O meu pai não me deixava entrar no desporto organizado e eu também não tinha tempo.

Mas gostava de ter sido futebolista?

Gosto muito de futebol e hoje o apetite seria maior. Mas seria futebolista só numa perspetiva lúdica. Comercial, não.

E como é que surge o Rio Ave na sua vida?

Eu tenho 54 anos de sócio. Ia ver os jogos com o meu pai no Campo da Avenida e depois as pessoas acharam que, como andava na Faculdade podia ajudar o clube e convidaram-me. A organização contabilística do Rio Ave foi feita por mim e pela minha equipa. E clubes como Gil Vicente e o Sporting vieram cá como fizemos porque, nessa matéria, o Rio Ave estava muito à frente dos outros.

Como dirigente por onde passou e como entrou?

O primeiro convite foi do José Maria Pinho, em 1986. Fui logo, com 23 anos, para vice-presidente Administrativo e Financeiro. Em 1989 fui chefe do Departamento de Futebol, com o António Ramos; depois presidente do Conselho Fiscal e voltei a ser vice-presidente Administrativo com o Paulo Carvalho. Fui presidente do clube, novamente presidente do Conselho de Fiscal e, em 2017, acabou. E sobre todo o tempo que veio a seguir, não falo.

Por que é que não fala sobre o futuro após 2017?

Não quero ser um Velho do Restelo, mas não consigo entrar na minha casa se estiver lá um inquilino. Tenho de tocar à campainha.

Então recuando, como chega a presidente em 2002?

O José Maria Pinho e o eng. Mário Almeida falaram comigo e aceitei na condição de só fazer um mandato.

O Rio Ave era uma SDUQ – Sociedade Unipessoal Por Quotas, mas já se falava nas Sociedades Anónimas Desportivas (SAD). Como é que naquela altura se resistiu à criação da SAD? 

Fui sempre um opositor à primeira legislação das SAD. Era o Paulo de Carvalho presidente e a sua direção, por minha iniciativa, elaborou um projeto de uma SIGIP, uma Sociedade Integrada, de Gestão de Investimentos e Participações, que compreendia um conjunto de atividades, desde postos de combustíveis à construção dos topos do estádio, com lojas à volta, entre outras situações. Esse modelo permitia a proximidade do empresariado local e o clube não fugia da comunidade. Havia um carácter associativo, bairrista e empresarial. Por razões que me transcenderam a SIGIP nunca foi constituída.

E no sentido lato, a entrada de capital estrangeiro nas SAD pode prejudicar o futebol português?

Volto a dizer: não quero ser “Velho do Restelo”, mas não consigo perceber como é que o Benfica, por exemplo, pode fazer um investimento de 30 milhões num jogador. Acho que tem de haver juízo. Com os interesses instalados pela própria UEFA, a nossa liga não consegue competir com as cinco primeiras europeias. Então, é muito melhor ir aos produtos da casa, aos jovens, e apertar a ligação aos sócios e à comunidade. Nesta altura, quantos jovens de Vila do Conde estão nos escalões jovens do Rio Ave?

E pronto, este foi mais um primeiro excerto da entrevista a Carlos Costa que encontra na íntegra na edição em papel.

Encontra a primeira parte da entrevista aqui.

A primeira página do seu jornal Terras do Ave é esta (veja aqui).

Contamos amanhã colocar aqui um segundo excerto 

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