Durante mais de meio-século Carlos Pontes foi o presidente do Rancho do Monte e subitamente decidiu não concorrer a um novo mandato.
Passados quase três meses da saída fomos saber o que tem feito o empresário numa entrevista que publicámos na edição em papel na rubrica “O que é feito de si”.
Temos agora a oportunidade de colocar aqui um primeiro trecho desse trabalho.
Onde nasceu? E como era constituído o seu núcleo familiar?
Nasci na rua da Misericórdia, no dia 17 de abril de 1963, na casa manuelina. A minha família, na nossa casa, era formada pelos meus pais e pela minha irmã.
O que faziam os seus pais?
o meu avô tinha o negócio ligado aos funerais, mas era tudo era manual. Com a industrialização, o meu tio João Ribeiro Pontes, que era Chefe da Estação da CP começou a detetar a passagem de urnas pré-feitas e incentivou à modernização do negócio já com o meu pai, que trabalhava como marceneiro. A minha mãe era rendilheira e depois ficou aqui, na mesma rua, com o meu pai a gerir a parte de imagens de santos de cera e outros artigos religiosos e relacionados com serviços funerários.
Neste sítio onde está a Casa Pontes?
Não neste ponto exato, mas nesta rua sim. A Casa Pontes foi sempre na Rua da Misericórdia.
Que idade terá então a Casa Pontes?
Entre 65 a 70 anos.
Onde é que estudou?
Na escola dos Correios, depois no ciclo na Avenida Bento de Freitas e mais tarde passei para o Colégio dos Pelayos, o Colégio de S. José, e após o quinto ano fui para o antigo liceu, no Parque de Jogos. E aí pararam os estudos. E amarrei-me ao negócio a que já estava ligado com o meu pai.
É ainda novo que começa a ligação ao Rancho do Monte?
Sim, o meu pai ligou-se muito cedo ao Rancho do Monte, porque tinha aqui um vizinho, que era o Francisco Meixão Monteiro, que foi um grande impulsionador das festas. E não era nada como agora, que há subsídios da câmara. O meu pai ia com a pasta para recolher fundos, num peditório, com o Francisco Monteiro e com o resto da comissão. E eu acabei por ir também muito novo. Lembro-me de estar em cima do palco, só a ver, numa noite de S. João, quando tinha mais ou menos seis anos de idade.
E a entrada como saxofonista?
Comecei com 15, 16 anos a aprender com o senhor Carlos Costa, que era músico do Rancho do Monte. Ensinou-me as primeiras notas e depois fui para o conservatório, fazer o primeiro e o segundo ano de saxofone. E fui por aí adiante…
Tocou em bandas?
Cheguei a tocar na banda de Vila do Conde, mas como faltava, por causa do Rancho do Monte, saí. Ainda acabei por tocar uns tempos na da Póvoa.
E o dirigismo no Rancho?
Surge mais tarde, nos finais dos anos 90. E até nem gostava. Preferia ser mais livre. Tocar, dançar, ajudar a fazer os carros alegóricos, organizar ranchos… mas o certo é que entrei como vogal ou algo semelhante e, lentamente, fui subindo, para cargos de maior responsabilidade até à presidência.
O dirigismo também dá muitas dores de cabeça.
Há muita gente que gosta, por causa de ostentar o cargo, mas eu não. E quando me chamavam presidente até nem apreciava. Numa associação destas [Rancho do Monte], onde há bairrismo, empenho, dedicação, somos todos iguais. Só tem de haver alguém que, quando for preciso, tome decisões.
E durante esse tempo em que foi presidente teve sempre o apoio da comunidade?
Sim, sim. Uns anos com um nível mais alto outros mais pequeno, mas houve sempre apoio. Das gentes do Monte, da Comissão de Festas e das várias Câmaras Municipais. Quem entra para as associações – e gosta – vai lá para ganhar amizades e não o contrário. Foi tudo sempre muito pacífico.
Qual é que acha que foi o ponto alto da sua gestão?
Assisti ao cinquentenário, aos 75 anos e ao centenário. Aliás, as duas marchas para as bodas de diamante e para a dos 100 anos foram feitas por mim. Mas o ponto mais alto foi, de facto, o centenário. Deu-me dores de cabeça terríveis. Fiz das maiores marchas de sempre na noite de S. João, com oito carros alegóricos, oito ranchos e três trios elétricos. E tudo de forma perfeita. E houve ainda a inscrição no livro de recordes Guinness, em 2018, com mais de 700 pessoas a dançar a “Chula”.
Fez referência às músicas que compôs, são muitas?
Nem sei quantas são… só as que estão no Rancho do Monte davam para fazer um espetáculo inteiro.
É uma ideia.
É.
Há uns meses quando anunciou que não se recandidatava à presidência surpreendeu muita gente. Já pode contar o motivo da não continuidade?
O motivo já estava anunciado há dois anos e meio, três. Tive um problema de saúde, de colesterol e as tensões andavam sempre um bocado alteradas. Felizmente estou melhor. O Dr. Vítor Reis disse mandou-me acalmar um pouco e, apesar de ter estado sempre bem acompanhado nas direções, comecei a pensar que era preciso entrar gente nova. Falei com o presidente da Assembleia Geral sobre a necessidade de aparecerem outras pessoas, porque não ia fazer frente a ninguém. Pediram-me para ficar, inclusive os que estão lá agora, mas disse não. Temos de saber sair dos sítios. E pronto, lá apareceu uma lista.
Mas é um adeus definitivo?
Durante três, quatro ou cinco anos, sim. Depois poderei ir até lá porque gosto daquilo. Pode crer que todos os dias ainda penso no Rancho do Monte. Era a minha segunda casa, a minha segunda família.
Mas não vai participar nas atividades?
Nalgumas vou assistir, claro. E na noite de S. João vou vibrar com o Rancho do Monte, claro.
No passeio…
Na tribuna porque faço parte da Comissão de Festas. Mas, no fim, vou lá cima ao Monte ver o meu rancho.
E agora, estando de fora, entende que a rivalidade entre o Monte e a Praça por vezes extravasa um pouco os limites do bom senso?
Sempre disse: o Monte e a Praça não são inimigos, são adversários. E no fundo, é o nome da cidade que está em causa. Os problemas surgem sempre nas idas à praia. A Praça tem de dar espaço para o Monte passar. Por vezes aquilo afunila e é quando se dá confusão. Eu ouvia o que queria e o que não queria, mas entrava por um ouvido e saía por outro. E seguia em frente. Felizmente, nunca tive problemas com ninguém, mas há frases feias, atitudes fracas, de parte a parte.
Encontra a entrevista na íntegra na edição em papel do seu jornal Terras do Ave que está nas bancas (veja aqui a 1.ª página)

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