Miguel Larangeira

A demência é uma das doenças mais difíceis de compreender e lidar, tanto para quem a vive como para quem cuida. Quando alguém próximo sofre desta doença, é como se um pedaço da pessoa fosse retirado a cada dia, mas o corpo permanece. A presença física é constante, mas a ausência de quem ela foi — ou quem ainda poderia ser — é uma dor silenciosa.

No caso do nosso pai, a demência não chegou de repente. Foi um processo lento e implacável. Ele está aqui, mas já não é o mesmo. O homem que conhecíamos, com suas memórias e palavras, foi-se apagando aos poucos. O que restou foi uma sombra, uma presença que ainda ocupa fisicamente seu lugar, mas já não é a mesma.

Cuidar dele tem sido uma jornada desafiadora. Em família, dividimos tarefas e responsabilidades para que ele possa continuar na sua casa, rodeado pelo que ainda reconhece. Só não sabemos é até quando será possível!

Mas há momentos que me tocam profundamente. Um deles é quando ele chora. Durante os cuidados mais simples, como ajudá-lo a comer ou vestir, vejo-o desabar em lágrimas, como se percebesse a sua fragilidade. Essa dor, que não sei se é dele ou minha, é avassaladora.

Mas há também momentos de alegria. Quando faço uma brincadeira ou gesto carinhoso, ele ri. O homem tímido e reservado que evitava demonstrações de afeto agora responde com gargalhadas genuínas, como se sentisse de novo o prazer das pequenas coisas. Esses momentos de riso, apesar da tristeza, são o que nos dão força.

A “obrigação” de cuidar traz consigo uma tristeza profunda pela situação que ele atravessa, mas também uma alegria imensa por podermos fazer isso por ele. Cuidar é, em muitos aspectos, um gesto de amor que não precisa de palavras para ser entendido. O sorriso dele, o riso genuíno, são uma recompensa que nos mostram que, apesar de tudo, o laço que nos une continua a resistir.

O cuidado de uma pessoa com demência é paradoxal. É doloroso pela situação, mas também uma prova de amor. A obrigação de cuidar traz consigo um amor que não precisa de palavras para ser entendido. Esse amor, silencioso e constante, é o elo que nos mantém unidos, mesmo quando a memória já não nos traz o mesmo pai, o mesmo marido, o mesmo avô.

Para o meu pai, que ainda está aqui.

E para todos os que cuidam, sem esperar reconhecimento, mas com a certeza de que o amor nunca se apaga.

Digo eu…

Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja a 1.ª página aqui)

Outros autores de opinião: João Paulo Meneses, Gualter Sarmento, Pedro Pereira da Silva, Adelina Piloto, Abel Maia e Carlos Real.

A aquisição do jornal é uma forma de colaborar com o Terras do Ave a continuar o seu trabalho. 

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