Há frases que ficam. Não por serem complicadas ou longas, mas precisamente por condensarem em poucas palavras aquilo que tantos de nós sentimos, mas não conseguimos dizer. A frase do Papa Francisco: “Mãe não é um estado civil”, é uma dessas frases. Simples, direta, profundamente humana. Um sopro de lucidez num tempo em que a maternidade, sobretudo a vivida a solo, ainda carrega tantos rótulos e mal-entendidos.
Enquanto Profissional de Saúde, mas também enquanto Mulher, escuto muitas histórias de mães que criam os seus filhos sozinhas. Algumas porque o amor em casal terminou, outras porque nunca chegou a começar, outras ainda porque a vida tomou caminhos inesperados. Mas há algo que todas partilham: uma força que se levanta todos os dias, mesmo quando o mundo parece desabar.
E, por mais força que tenham, muitas vezes chegam ao consultório de olhos baixos. Como se tivessem algo a justificar. Como se a ausência de um parceiro significasse, de alguma forma, que estão a falhar. Como se a sociedade ainda lhes dissesse, de forma implícita, que são “menos mães”, por não estarem acompanhadas.
A verdade é esta: a maternidade não se mede em alianças, certidões ou relações. Mede-se na capacidade de amar, de cuidar, de estar. E nisso, estas mães estão inteiras! Muitas vezes mais inteiras do que julgam.
Silêncios que pesam, olhares que julgam. Há sim um cansaço que não se vê, um esgotamento que não aparece nas fotografias felizes das redes sociais, nem nos sorrisos partilhados à porta da escola. É o cansaço de quem tem de ser tudo: presença constante, apoio emocional, sustento financeiro, rede de segurança. Muitas destas mulheres não têm tempo para respirar, para parar, para se ouvir. Porque há sempre alguém que precisa delas: o relógio não tem compaixão.
É um tipo de solidão que não se grita, abafa-se para dentro, é um silêncio cheio de ruído interno: “Será que estou a fazer bem?”, “Será que devia ter tentado mais?”, “Será que sou suficiente?” São dúvidas que corroem por dentro, muitas vezes agravadas por discursos sociais e institucionais que continuam a pintar a família com uma só cor.
E o mais impressionante é que estas mães continuam. Mesmo quando estão a cair. Continuam por amor. Continuam porque sabem que não há plano B. Continuam porque não podem, simplesmente, parar. E isso não é fraqueza, é uma forma rara, e tão nobre, de coragem.
Ainda é preciso deixar cair o mito da mãe perfeita. Há uma idealização da maternidade que pesa: a mãe que consegue tudo, que não se zanga, que tem tempo para brincar, cozinhar saudável, acompanhar os trabalhos de casa e ainda trabalhar oito horas por dia. Essa imagem, muitas vezes vendida nas redes sociais ou nos discursos institucionais, é profundamente injusta, porque é irreal.
No consultório, encontro mães que se culpam por tudo: por gritar num momento de frustração, por não conseguir pagar uma explicação, por não ter forças para ir ao parque ao fim do dia ou poder conversar com o filho adolescente. E é ali, naquele espaço seguro da consulta, que muitas vezes choram pela primeira vez, em meses. Não porque são fracas. Mas porque, finalmente, podem.
É por isso que precisamos de falar mais sobre o que é SER MÃE. Mas com verdade. Não com romantismos nem exigências impossíveis, mas com empatia. A maternidade, especialmente quando vivida a solo, é um acto de resistência diária. E resistir, por vezes, também é pedir ajuda. Também é reconhecer que não se consegue tudo. E que não faz mal. Que não faz mal!
Neste Dia da Mãe, não basta encher as redes sociais com frases bonitas ou oferecer flores. É preciso fazer mais. É preciso perceber que estas mães não precisam de piedade ou de conselhos. Precisam de políticas públicas que funcionem. Precisam de creches acessíveis, de horários de trabalho que respeitem a parentalidade, de acesso a saúde mental sem listas de espera. Precisam de escolas que não as olhem com desconfiança, de médicos que escutem sem julgar, de comunidades que amparem.
Uma mãe que cuida sozinha de um filho não está apenas a educar uma criança, está a formar um futuro adulto. Está a moldar a próxima geração. Está a garantir laços de afeto seguros, auto-estima, equilíbrio emocional. E isso, acreditem, não é só “coisas que as mães fazem”, é um acto de saúde pública.
O Papa Francisco fez algo raro: deu nome ao invisível. Disse em voz alta o que tantas vezes é silenciado. E isso, para mim, é profundamente transformador e humano. Ao dizer que “mãe não é um estado civil”, o Papa não está apenas a acolher as mães a solo. Está a desinstalar uma forma antiquada e punitiva de pensar a família. Está a dizer que o amor vale mais do que a estrutura, que o vínculo vale mais do que o contrato, que a entrega vale mais do que a narrativa dominante.
E isso, vindo de uma figura de autoridade espiritual e moral, tem um peso avassalador porque toca onde dói, porque reconhece onde antes havia apenas silêncio.
Por isso, talvez seja importante mudar o tom da conversa.
Não se trata de fazer de cada mãe a solo uma heroína (embora muitas o sejam). Trata-se de reconhecer, com humildade, que temos falhado, que temos criado modelos sociais excludentes, discursos redutores, políticas insuficientes, e que isso tem um impacto real na vida de milhares de mulheres e crianças, em famílias monoparentais.
O amor de uma mãe não depende de quem dorme ao seu lado. Depende da sua capacidade de estar, de escutar, de cuidar. E isso deve ser suficiente. Mais do que isso, isso deve ser valorizado, protegido, respeitado.
Vamos celebrar com verdade? Neste Dia da Mãe, deixo aqui o meu apelo: que possamos ver para lá das etiquetas. Que deixemos de perguntar: “E o pai?”, sempre que uma mulher aparece sozinha, sempre que o pai não aparece na escola para celebrar o Dia do Pai, mas a mãe vai. Que deixemos de supor que a maternidade sem parceiro é uma maternidade incompleta. Que possamos, finalmente, dizer às mães a solo: “Nós vemos-vos. Nós escutamos-vos. Nós reconhecemos a vossa luta.” E mais do que isso: “Queremos fazer parte da mudança que vos apoia.”
Porque ser mãe é, muitas vezes, ser inteira mesmo quando a vida parte. É ser presença mesmo na ausência. É continuar a amar, mesmo quando tudo falta. E essa forma de amor, crua, real, incondicional, merece mais do que flores. Merece respeito. Merece políticas. Merece espaço.
Hoje, celebremos todas as mulheres que são abrigo. Que são chão. Que são coragem. Que sustentam o mundo com os braços cansados, mas o coração firme.
A todas elas, hoje e sempre, a minha profunda admiração.
Ser mãe é ser força. E essa força não precisa de selo, de estado civil, de validação externa. Basta ser. E isso, já é tanto.
Marta Calado, psicóloga clínica e da saúde

