Há vários séculos que em Vila do Conde, particularmente em Azurara, são manufacturadas camisolas em cores naturais, pérola ou matizada, nunca tingidas, de gola alta e decoradas com torcidos. Agasalhos tricotados a partir de fio grosso de lã oriunda de produção local que escasseando, obrigou a recorrer às da Serra da Estrela. Tão quentes que atraíram marítimos em busca de protecção às frias e longas noites de faina no mar.

Foi assim que, na primeira metade do século XIX, começaram a aparecer em Azurara pescadores da vizinha Póvoa para adquirir estes aconchegos. Comprovado o sucesso no combate às baixas temperaturas, rapidamente foram adoptadas pela classe piscatória poveira. E tão comum foi o seu uso que passaram a ser marcadas para se saber a quem pertenciam.

Usando uma técnica muito rudimentar, foram os próprios pescadores que começaram a marcá-las com siglas. Quando esse lavor foi transferido para as mães, esposas e noivas a marcação evoluiu, passou a ostentar desenhos mais complexos e requintados e foi promovida a bordado. Continuaram, no entanto, a ser adquiridas em Azurara cuja produção representava o sustento de muitas artesãs e respectivas famílias.

Só muito mais tarde começaram, não só a ser bordadas, mas também confeccionadas na Póvoa de Varzim. E desta forma a camisola d’Azurara e a sua “filha”, a camisola poveira, seguiram caminhos distintos. Até ao luto decretado em consequência da tragédia marítima de 27 de Fevereiro de 1892 que proibiu o seu uso, foi orgulhosamente exibida pelas suas gentes como traje de romaria, de festa e na recepção às mais altas individualidades. Quatro décadas passadas, reapareceu vaidosa, pela mão de António dos Santos Graça que a seleccionou como indumentária do Grupo Folclórico Poveiro.

Numa vida repleta de episódios promocionais, somando a recente certificação do produto e o plágio da estilista norte-americana Tory Burch que a catapultou para o conhecimento mundial, a camisola poveira goza de um estatuto que não encontra paralelo na sua abandonada “mãe”.

É tempo de acarinhar e dar nova oportunidade a esta preciosidade do nosso património. Num ano de eleições autárquicas talvez esta preocupação faça parte dos programas eleitorais dos candidatos. Bom seria.

Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja 1.ª página aqui).

Outros autores de opinião: Abel Maia, Pedro Pereira da Silva, João Paulo Meneses, Adelina Piloto e Fátima Augusto  

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