Desta vez o entrevistado na rubrica “O que é feito de si?” é o economista Joaquim Pereira Cardoso que foi eleito presidente da Junta de Freguesia de Mindelo em dois momentos distintos.
Embora tenha encabeçado as listas socialistas, discorda da atual gestão do PS e da Câmara, feita por Vítor Costa, a quem acusa de “capturar” o partido para chegar ao poder e, enquanto presidente da câmara, ter realizado muito pouco.
Esta entrevista esta na íntegra na edição em papel que encontra ainda nas bancas.
Temos, no entanto, a oportunidade de hoje publicarmos, por aqui, um trecho (amanhã sairá outro, numa vertente mais política) numa versão mais extensa e diferente, uma vez que o espaço na Internet não tem os limites que o formato em papel, naquele caso, exigiu.
Onde nasceu e qual foi o seu primeiro núcleo familiar?
Nasci há 67 anos no concelho do Marco de Canaveses e fui o quarto de cinco filhos. O meu pai era ferroviário e a minha mãe, doméstica. Quando tinha nove anos, a minha família veio para Mindelo, mas fiquei no Porto, a viver com um irmão, para fazer o ciclo preparatório. Só vinha ao fim de semana e foi para mim um choque, porque não tinha amigos, não tinha ninguém com quem falar. Havia uma ou outra criança na rua para dar uns chutos na bola e mais nada.
E quando vem estudar para Vila do Conde?
Logo a seguir, para o curso geral na escola do Rio onde completei aquilo que hoje são os 7º, 8º e 9º. Anos. Curiosamente fui aluno do Dr. Fernando Gomes. Depois já não era possível continuar em Vila do Conde porque não havia oferta, e fui para a Póvoa fazer o curso complementar. Em 1976 fui para a Faculdade de Economia, com 18 anos, mas antes ainda fiz um ano de Serviço Cívico em Aver-o-Mar e Mindelo.
O que era esse serviço?
As faculdades estavam a rebentar pelas costuras pela massificação do ensino e como o Estado não tinha infraestrutura para resolver isso, criou um ano intercalar entre o curso complementar e a faculdade. Basicamente, o meu trabalho, era ajudar os professores.
É aí que entra para a JS?
Não, foi antes, em setembro de 1974. A Juventude Socialista foi a única organização de que fui militante e foram tempos formidáveis. Lembro-me de andar com o doutor José Luís Ferraz e o engenheiro Mário Almeida, num mini, comigo ao microfone a divulgar as sessões de esclarecimento.
E quando entra na Universidade, como foi?
Um choque enorme. Existia um ambiente absolutamente esquerdista e radical. A verdade é que tentei aculturar-me, ainda que não tivesse esse ADN radical. Olhe, cheguei inclusive a andar de boina, como se “impunha”.
À Che Guevara?
Sim, à Che. Mas não batia a “letra com a careta”. Eu era um moderado, um social-democrata, um socialista democrático.
E quando termina os estudos, o que faz?
Antes de terminar, participei – eu e milhares de jovens – num concurso público nacional para o Banco de Portugal e, com 24 anos, entrei. Estive lá cinco anos, no Departamento de Crédito e, de facto, era um emprego maravilhoso. Tínhamos pouco que fazer, ganhava bem e eu era um jovem cheio de projetos.
É nessa altura que chega o convite de uma empresa do Grupo Sonae?
Sim, para diretor financeiro e para ganhar o dobro. Eram tempos de grande agitação na economia. Aconteciam OPV [Oferta Pública de Venda] umas atrás das outras e o engenheiro Belmiro de Azevedo [fundador do grupo] era homem com enorme capacidade e uma visão extraordinária.
Mas não fica lá muito tempo.
Passados 3 anos, saí da Sonae, que foi a minha escola de gestão, passei para outro grupo e, aos 32 anos, fui o “arquiteto” de uma SGPS com participações sociais em 15 ou 16 empresas. Desde então mantive-me sempre ligado ao mundo empresarial e mesmo hoje, reformado, vou dirigindo uma microempresa familiar.
Esteve também ligado ao ensino?
Sim, e gostava muito de ser professor. Fui docente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto ao qual estive ligado durante mais de 30 anos (onde, às vezes, regresso para dar aulas em Pós-Graduações) e fui também professor na antiga ESEIG de Vila do Conde. Sempre a tempo parcial, pois gerir empresas era o centro da minha atividade.
Durante os últimos anos foi um dos rostos do Centro Social e Paroquial de Mindelo. Como é que se deu a sua entrada?
Em 2018, o padre, que tinha acabado de chegar, pôs as mãos à cabeça porque a organização estava praticamente na falência. Veio falar comigo e acabou por “conquistar-me”. Liderei o Centro 7 anos e fizemos daquela casa a referência na área social, no concelho de Vila do Conde. Para além de desenvolvermos, com excelência, as áreas onde já atuava – creche, jardim de infância, centro de dia e apoio domiciliário – avançamos na área da Inovação e Empreendedorismo Social, com um projeto na área do envelhecimento. Sete anos muito intensos, onde tive o gosto de liderar uma equipa de bons e excelentes profissionais, que gostava de felicitar, assim como os pais das crianças e familiares dos “mais velhos”. As crianças são maravilhosas e os utentes a necessitar de muitos afetos. No passado mês de abril saí.
Porquê?
Eu já me tinha demitido há dois anos (de seguida a restante direção) e fui ficando para que o Centro não se “estatelasse”. Não podia deixar cair algo que com tanto empenho e brio transformamos em referência. Ninguém me perdoaria (colaboradores, pais e familiares). Porque saí? Porque não suporto que alguém que esteja num cargo e não o desempenhe. Os presidentes dos centros sociais e paroquiais são, por inerência, os párocos e, em 2022, chegou um novo sacerdote a quem, durante seis meses, pedi e pressionei que assumisse o seu papel, de presidir. Não o consegui e não o fez. O anterior, com quatro paróquias para cuidar, compreendia-se que não o fizesse, o novo, só tinha duas e podia muito bem dedicar-se ao Centro Social e Paroquial. Mas é, de facto, um padre que diz que não estudou para isso, não tinha essa vocação e não tinha tempo. Ninguém compreendia. Todos os membros da Direção não compreendiam. Tentei de tudo para que viesse aprender (porque ninguém nasce ensinado), demais a mais um jovem como ele, mas de nada valeu. A pedido do Bispo do Porto (que me propôs ser o Presidente, que não aceitei, porque o problema não era de cargos), mantive-me em funções até terminar o mandato, assim como os restantes membros da Direção.
E como ficou a instituição?
De uma situação de falência em 2017, deixamos, agora, cerca de 1 milhão e 400 mil euros no banco. Desse ponto de vista, o Centro Social está assegurado por uns anos. O problema não é de dinheiro, é quase sempre de pessoas e, nessa medida, pelo que vou ouvindo, importa ter um nível de alerta significativo, que gostaria de partilhar: a equipa que liderei e ajudei a transformar está a esvaziar-se (por demissões, sobretudo), outros vão entrando, uns e outros sentem-se sem rumo, não há um desígnio e, sobretudo, não existe liderança operacional, nem estratégica. Liderar pelo exemplo, acabou. Há pessoas que deixaram de acreditar. É preciso motivá-las e envolvê-las. O que me dizem é que se está a voltar ao antigamente, perdendo-se a “alma” que construímos nestes 7 anos.
(continua amanhã)
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