O território de Vila do Conde é, como tantos outros na Área Metropolitana do Porto, um espaço de múltiplas centralidades, com identidades fortes, desafios diversos e um potencial extraordinário para responder às mudanças do presente e do futuro. É nesse contexto que o urbanismo e o planeamento territorial assumem um papel cada vez mais determinante.
Mais do que nunca, importa refletir coletivamente sobre que cidade e que concelho queremos construir. O espaço urbano não é neutro: ele traduz decisões – políticas, técnicas, económicas – que moldam a vida quotidiana, a mobilidade, os encontros, os afetos e a relação com a natureza.
Nos tempos que correm, planeamento urbano já não pode limitar-se à lógica da expansão ou da gestão de solos. As cidades enfrentam desafios de enorme complexidade: desde a crise climática, a pressão sobre a habitação, o envelhecimento populacional, a perda de biodiversidade, ou a mobilidade insustentável. Vila do Conde não é exceção.
Como conciliar crescimento urbano com coesão social e territorial? Como reforçar os laços entre o centro e as freguesias mais interiores ou periféricas? Como criar condições para uma vida urbana mais saudável, mais próxima, mais verde? Estas são perguntas que merecem lugar no diálogo entre autarquia, instituições, técnicos, cidadãos e associações.
Um território habitável não se mede apenas em metros quadrados ou indicadores económicos. Mede-se também na qualidade dos espaços comuns, na acessibilidade para todas as idades, na forma como promove o encontro entre pessoas e o vínculo com o lugar. Caminhar com segurança, ter acesso a sombra, bancos, equipamentos, proximidade com a natureza — tudo isso contribui para o bem-estar urbano. Neste sentido, pensar o espaço público é, também, um ato de cuidado social.
Vila do Conde precisa de desenvolver instrumentos de planeamento e executar projetos com impacto no território. Mas o sucesso desses instrumentos depende em larga medida da participação informada e ativa da comunidade. A cidade não se constrói apenas nos gabinetes, constrói-se também nas conversas com os vizinhos, nos conselhos das freguesias, nos pátios das escolas, nas associações culturais e cívicas.
Num tempo em que tantos territórios enfrentam dilemas profundos, o verdadeiro progresso está na capacidade de escutar, pensar e agir de forma coletiva e inclusiva. Planeamento urbano não é apenas técnica: é cultura democrática.
Vila do Conde tem património, memória, diversidade territorial, talento humano e um capital natural de valor incalculável. A oportunidade de fazer melhor está ao nosso alcance — e passa por envolver mais vozes, mais olhares, mais ideias, pontes entre o passado e o futuro, entre as decisões técnicas e os anseios da população.
Quem vive Vila do Conde sabe que há muito potencial por aproveitar — e também muita frustração acumulada. Há lugares que ficaram para trás, projetos que nunca saíram do papel, freguesias que se sentem esquecidas, promessas que perderam o brilho. Mas é precisamente aí que mora a possibilidade de mudança: na vontade de fazer diferente, de escutar mais e decidir melhor, com coragem.
A expressão atribuída a povos nativos da América do Norte, “Não herdamos a terra dos nossos antepassados, pedimo-la emprestada aos nossos filhos.” recorda-nos que cuidar da cidade, como das pessoas, exige mais do que gestos. Exige visão, coragem e um verdadeiro pacto com a comunidade.
Porque o futuro não se herda — cultiva-se.
Sofia Castro*
*Arq.ta, Mestre em Planeamento
Nota: Este artigo está na última edição em papel do Terras do Ave com data de 6 de agosto (data que deve ser tida em conta para o devido enquadramento temporal do conteúdo).
É publicado aqui neste dia porque, após um período de férias logo a seguir ao lançamento desse número, o trabalho já foi retomado no jornal.
Outros autores de opinião: João Paulo Meneses, Abel Maia, Gualter Sarmento, Pedro Silva Pereira e Carlos Real.