A edição do Terras do Ave que está nas bancas tem a rubrica “O que é feito de si?” com uma entrevista ao economista Carlos Costa cuja história de vida fica marcada, logo nos primeiros anos, por um infortúnio físico que, se por um lado o colocou a viver “fora do mundo”, também o tornou mais resiliente.

É esse caminho pela infância, pelo ensino, pelo mundo do trabalho, pela família, pela política, pelo Rio Ave FC (do qual foi presidente) e outros momentos de uma vida com 66 anos, que está na íntegra na entrevista.    

 Fazemos agora, por este meio, a publicação de um primeiro excerto.

Costumamos iniciar estas entrevistas por uma apresentação básica. Onde e quando nasceu, e quantos irmãos teve?

Chamo-me Carlos José Maia de Costa, nasci a 13 de abril de 1959, na rua do Lidador, em Vila do Conde, na casa onde habito. O meu pai, Crispim José da Costa, tinha um armazém de distribuição de produtos alimentares representando, por exemplo, a Sumol e Água de Carvalheiros, na região. A minha mãe, Maria Albertina Osório, era doméstica. Fui filho único

A sua infância foi tranquila?

Não nasci num berço desfavorecido, mas a tranquilidade somos nós que a conquistamos. Fiquei com uma deficiência num membro superior direito, fruto de um medicamento ingerido na época, mal administrado, e com todos aqueles cuidados maternos, passei o ensino primário sozinho, fora do mundo. Era o único aluno de três senhoras ali na calçada do Monte e o meu pai mandava um funcionário levar-me e buscar-me. Depois fiz o exame da quarta classe, no Mosteiro de Santa Clara, com a professora Fernanda, a mãe do João Malheiro [comentador de futebol e ex-dirigente].

Lidava pouco com outras crianças então.  

Exceto quando íamos para a Praia de Banhos. Tínhamos lá uma barraca e levava os meus amigos, gente do povo, o que não era habitual naquele sítio. O banheiro, o senhor Baltazar, não gostava muito, mas se comiam na minha casa e tudo, tinham de ir comigo.

É um período que o marca?

Sim. Também fiquei sem a minha avó aos oito anos e aquilo marcou-me profundamente porque, na altura, os defuntos eram depositados em casa e lá se fazia o velório. Além disso, a juventude era um bocado cruel para quem tinha a deficiência como a minha.

De um ensino primário protegido vai para o ciclo…

Para escola Frei João e, de início, até me escondia atrás das portas porque nunca tinha visto tanta miudagem junta. Era todo um mundo novo.

E procurou adaptar-se?

Sim através de um processo de libertação de algumas amarras que teve o episódio mais vincado aos 12 anos quando decidi que ia ao Casino onde, de acordo com os preceitos da época, havia regras apertadas de vestuário permitido. Ora eu só tinha umas calças de ganga, mas, mesmo assim, peguei no cartão do Casino que o meu pai tinha por ser comerciante –tenho ideia que nunca lá tinha entrado –  e fui lá, dizendo que precisava de falar com ele porque a minha mãe se tinha sentido mal. A verdade é que deixaram-me entrar, vi aquilo, mas não achei nenhuma piada. E quando cheguei a casa tinha o meu pai à espera ao cimo da escada e pensei imediatamente que ia ter problemas. Optei por dizer a verdade, que tinha estado no Casino e descrevi a forma como tinha conseguido entrar. Ele ficou muito admirado, mas só queria saber: E gostaste? E gostaste? Quando lhe disse que não, mandou-me para a cama e não me castigou. A verdade é que, em toda na minha vida, só lá devo ter entrado mais duas ou três vezes.

Feito o ciclo na Frei João, seguiu para o secundário. Para onde?

Para o Liceu Nacional da Póvoa de Varzim. Íamos trinta e tal na camioneta do Linhares e fiz amigos para a vida.

Foi bom aluno?

Sim, juntamente com Francisco Teófilo, que era o filho do doutor Teófilo Bernardes. E inclusive eu já dava, em minha casa, explicações de matemática. Tinha sempre uma fila de pessoas à porta e ganhava mais do que um professor primário. Não era por necessidade, mas por gostar de ter a minha independência. E acabo o liceu com 16, 17 anos.

E surge a faculdade.

Mas acontece um dos maiores desaires da minha vida: o falecimento do meu pai. A dois dias de um exame de português. Ainda hoje não me lembro de nada do que escrevi. Se calhar nem respondi ao texto. Acabaram por me dar um 13, porventura por compreensão pela situação. Já em Matemática e Geografia tirei 19. Enquanto esperava pela saída da candidatura, fiz o exame de aptidão para dar aulas e passei também. Acabei por entrar na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

E a vida universitária correu bem? 

Sim, mas gastava três horas em viagens porque ia e vinha todos os dias para estar com a minha mãe. À noite dava explicações e a partir do terceiro ano de faculdade, decidi trabalhar para a Vieira de Castro [empresa, de grande dimensão, de fabrico de bolachas], onde estive dez anos.

É nessa altura que constitui família?

Casei com uma mulher das Caxinas, viúva e com uma filha. Para os costumes da época foi uma bronca e, na verdade, à minha mãe custou-lhe a aceitar. Mas eu assumi tudo. Essa minha falecida mulher, Maria de Lurdes, deu-me essa filha, a Maria José, e mais duas, a Joana e a Ana Rita.

Já agora, tem já tem netos?

Três. A Camila, a Clara e o Lourenço.

Voltando ao seu percurso, quando é que sai da Vieira de Castro?

Houve chamamentos de vários setores de atividade e, por causa da minha liberdade temporal e da rentabilidade, passei a ser consultor de várias empresas, algo que vem até ao presente.

Mas formou também empresas?

No calçado entrei e vendi. Estive no setor têxtil, de brinquedos e outros. Ainda estou ligado à parte imobiliária.

Sente-se um homem realizado?

Pensamos sempre que podíamos ter feito mais do que o fizemos.

 

E pronto, este é um primeiro excerto a Carlos Costa que encontra na íntegra na edição em papel do seu jornal Terras do Ave. (veja aqui).

Contamos amanhã colocar aqui um segundo excerto 

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