Vila do Conde fervilha com tradições. A comunidade declara paixão às Rendas de Bilros, Pescas, Doçaria Conventual, Construção Naval, Camisolas da Azurara, Pão Doce de Modivas, Tradições da Páscoa, entre outros. Mimam-se costumes antigos com amor maternal e tempera-se a religiosidade com paganismo para que ninguém fique de fora. As Festas de São João e do Corpo de Deus, as que mais recentemente se manifestaram, são exemplos maiores desses amor e simbiose.
Enquanto a Igreja comemora o São João durante a tarde, à noite o Povo desencaminha-o pelas alegres e iluminadas ruas da cidade, leva-o a petiscar sardinha assada e caldo verde e sequestra-o para o seu Rancho de Rendilheiras numa ida à praia. É o mesmo Povo que pinta, pétala a pétala, quadros floridos nas ruas antigas da cidade. Alinda-as, perfuma-as e torna-as únicas para celebrar condignamente a transformação de pão e vinho em Corpo de Deus.
Esse Povo que entristece assistindo à dificuldade dos filhos no acesso à habitação. Custos complicados em qualquer zona e incomportáveis nas ruas onde nasceram. Os centros históricos transformaram-se em alvo da especulação imobiliária que satisfaz a carteira de alguns, mas traz a infelicidade de muitos. O sistema económico vigente não existe para servir as pessoas, ao contrário, considera que estas é que estão ao seu serviço e não hesita se provocar segregação, penalizar moradores ou puser em risco tradições. Aqueles que nasceram, cresceram e sempre viveram nessas ruas com história já não têm carteira para continuar a história dessas ruas. Os que aprenderam a amar as tradições veem a escassez do salário expulsá-los da sua terra. Têm, agora, que procurar outros locais para morar. Se o centro histórico não se destinar a quem o sente, qual será o futuro dos tapetes de flores? Se os jovens forem obrigados a sair da cidade, quem irá amanhã com o rancho à praia?
Ter um local para morar é um direito constitucional e é uma incumbência do Estado assegurá-lo. Prevenir fenómenos de “despovoamento dos centros urbanos e periferização habitacional” é um objetivo expresso no Programa de Apoio ao Acesso à Habitação 1º Direito. Cumpra-se a Constituição e combata-se a especulação imobiliária. Os jovens precisam e a continuidade das tradições agradece.
Nota: Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja o que traz aqui).
Outros autores de opinião: João Paulo Meneses, Abel Maia, Pedro Pereira da Silva, Joaquim Pereira Cardoso e Fátima Augusto
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