Elisa Ferraz está de saída da política local, depois de décadas como vereadora e presidente da Câmara (eleita pelo PS e depois pelo movimento NAU).
Ao Terras do Ave diz que termina a sua missão de bem com a vida, mas não deixa de criticar o atual executivo socialista (que a substituiu na presidência da câmara em 2021) a quem acusa de a procurar “apagar da história” de Vila do Conde.
A entrevista está na íntegra na edição em papel do seu jornal, mas temos agora oportunidade de colocar aqui um primeiro trecho, deixando para amanhã uma abordagem mais política e na qual a vilacondense decreta (e justifica) o fim do “seu” movimento Elisa Ferraz/ Nós Avançamos Unidos (NAU).
Estamos quase no final do mandato, qual é o balanço que faz?
Sinto que, em quatro anos, Vila do Conde estagnou completamente. Havia projetos tão interessantes, que estavam começados ou lançados e que foram pura e simplesmente postos de lado.
No início do mandato o presidente anunciou uma auditoria às contas e fez alusão à existência de um “buraco” de quase 13 milhões de euros. Como viu essa ação de Vítor Costa?
A bandeira da minha ação enquanto autarca foi sempre a das contas certas. Da contenção de despesas, mas simultaneamente da obra feita, que se via, e de um município que pagava na hora. Aparecer alguém, que me substituiu a nível autárquico e cuja primeira grande notícia a nível nacional que lança é que há um buraco de 13 milhões, só tem o intuito de ofender. E ofendeu, efetivamente.
Como é que viu os resultados da auditoria?
A auditoria foi uma tal vergonha para quem a mandou fazer que nem foi capaz de a tornar pública ou entregar à assembleia municipal e vereação. Mas sei bem o que fizemos, nos nossos mandatos. As contas são transparentes. E feitas pelas mesmas pessoas na Câmara e no exterior que fizeram todas as outras. O relatório da auditoria desmentiu por completo a existência do calunioso, “buraco”, salientando, sim, a excelência da nossa prestação ao nível, nomeadamente, financeiro.
Sabe como é que estão as contas agora?
Falarei com as cautelas a que estou obrigada pela minha própria maneira de ser, mas aquilo que consta é que a Câmara está endividada e os empréstimos são mais que muitos. Um completo desalinho com a arrumação da casa que fizemos, já que retiramos a Câmara de uma situação calamitosa.
Há maior aproveitamento dos fundos comunitários agora ou no seu mandato?
No meu mandato, sem sombra de dúvida. Todos os projetos que tínhamos em carteira, possuíam fundos comunitários aprovados. Atualmente não se sabe, porque as informações pedidas pelos vereadores não são concedidas. Repare que passaram 4 anos e ainda andamos a pedir o relatório sobre a instalação no concelho das lâmpadas LED, o da Indaqua, a auditoria…enfim, situações altamente penalizantes para a Vila do Conde. Estamos num caos.
Gostava de obter a sua opinião sobre opções do atual executivo camarário que foram mais faladas. Por exemplo, quanto à alteração da Estratégia Local de Habitação (ELH), é verdade que o diagnóstico da NAU pecava por defeito e que foi este executivo a elevar para mais de 600 os candidatos a ter uma casa?
É completamente falso. Já tentámos esclarecer, inúmeras vezes, mas interessa, a muitas pessoas, que a mentira se mantenha. Quando fizemos a EHL, foi efetuado, pelo Serviço Social, um levantamento dos casos de ‘habitação indigna’, obedecendo às normas e critérios legais em vigor naquela altura. Repito: em vigor naquela altura. Posteriormente, alteram-se as normas e, com critérios menos apertados, foi feito um novo levantamento, o que alargou o leque de famílias que podem aceder. Foi só isto que aconteceu.
A esquadra da PSP só avançou porque o atual executivo conseguiu financiamento ou estava tudo já previsto?
Estava tudo previsto no nosso mandato, inclusivamente havia uma verba restante, penso que à volta de 400 mil euros, que ainda viria do próprio Estado. A obra tinha o aval das entidades competentes e estava concursada. Lançámos a primeira pedra, com a vinda do ministro Eduardo Cabrita, mas não foi uma cerimónia fictícia. Foi feita com base num processo concluído.
Compreende os motivos pelos quais o executivo anulou o conjunto de obras rodoviárias, o Master Plan, aprovado no anterior mandato?
Não compreendo, a não ser por mero capricho. O Master Plan foi, quiçá, um dos mais ambiciosos projetos que a NAU lançou e abrangia troços em todo o concelho. Só por afronta não o quiseram fazer e pagaram a um empreiteiro [a quem estava adjudicado] uma indemnização de 200 mil euros. Isto é algo incompreensível. O dinheiro não é nosso, é público. Pagar a um empreiteiro para não fazer a obra? Como é que isto é possível?
A ponte pedonal sobre o rio Ave também foi eliminada…
…e já tinha financiamento para ser feita. O projeto, lindíssimo, estava pronto e o processo executado. E tudo foi deitado fora por, novamente, mera birra.
E a não instalação do Centro de Artes Náuticas (CAN) no antigo armazém da seca do bacalhau foi uma má decisão do atual executivo?
É algo que me fere. O CAN foi programado com outros países [Noruega, Islândia e Liechtenstein] e enquadrava naquele espaço a memória da seca do bacalhau e da construção naval em madeira. E acabou posto de lado. Não se fez lá nada e o edifício e espaço envolvente estão completamente ao abandono.
Porque é que não foi a Metro do Porto a pagar o parque de estacionamento junto à estação?
Não havia entendimento de que o pagamento era uma obrigatoriedade da Metro do Porto. E como a presidente da câmara e o seu executivo consideravam fulcral que o parque existisse, construímo-lo. A bem do superior interesse de Vila do Conde, dos vilacondenses e daqueles que o utilizam.
Esse equipamento não foi inaugurado quando entrou em funcionamento tal como sucedeu com o pavilhão do Centro Comunitário das Caxinas. Qual a sua opinião?
Pretende-se apagar da história de Vila do Conde o meu percurso como presidente da câmara e o do meu executivo. Estamos a falar de equipamentos extraordinários. E nas Caxinas nunca se tinha sido feito algo semelhante. Desde o início disse que piscina não fazia, que já era complicado aguentarmos as piscinas que tínhamos, mas o centro comunitário era diferente. Além da parte desportiva tinha – e tem- um andar que pode ser utilizado pelas associações concelhias. Foi um projeto muito pensado e lamento profundamente que nunca tenha havido uma referência a quem o idealizou.
Ficou satisfeita com as explicações dadas por Vítor Costa sobre os gastos com concertos de verão?
As explicações não estão dadas, nunca foram prestadas, apesar das inúmeras interpelações para o seu efeito. Os contratos não foram ainda apresentados publicamente e ao movimento NAU. Aguardamos que em determinado momento o sejam e que as entidades competentes possam dar as exigidas e necessárias explicações. Nos meus mandatos fui criticada pela inovação que trouxe a Vila do Conde com concertos, a nova programação de São João, o Porto para o Mundo, mas tudo foi feito com contenção. O que muita gente sente é que, neste mandato, os gastos com concertos ultrapassaram todos os limites.
Acha que o executivo camarário prejudicou a associação dos bombeiros ao não ter promovido a instalação de um posto de combustível junto ao quartel?
Não tenho dúvida nenhuma, que sim. À empresa que construiu todo o complexo Belamar não autorizei a bomba. Porque havia mais postos à volta e estaria numa área sensível a nível de habitação. E referi-lhes [aos promotores] que havia ali perto um espaço que pertencia aos bombeiros e que o ideal seria terem uma reunião com a Associação. Para mim é absolutamente incompreensível que a troco de 16 mil euros os bombeiros tenham desistido da bomba e que a Câmara, com os mesmos técnicos que analisaram o projeto connosco na altura, tenha autorizado [o posto junto ao Auchan]. Para mim tudo isto foi chocante. Chocante.
E em relação ao surgimento desse complexo Belamar, houve ou não benefício fiscal indevido concedido ao construtor?
Consideramos que sim e as contas estão feitas. A empreitada foi considerada um Projeto de Económico de Interesse Municipal [PEIM] com a justificação da criação de postos de trabalho. Mas um empreiteiro não cria emprego. Vende para criar emprego e foi o que fez. Nunca teria concedido esse PEIM.
Outra matéria muito falada igualmente: a instalação da esplanada de um restaurante na Praça da República que supostamente foi mandada demolir por um organismo estatal. Como qualifica este caso?
Nem encontro palavras para qualificar a Justiça que temos hoje em dia. Que intervém em determinado sentido e as pessoas não se sentem obrigadas a cumprir. Toda a gente se interroga como é que há uma decisão a ordenar a demolição e a esplanada lá continua.
E a aprovação de um prédio perto da praia de Mindelo, que foi falado pela sua proximidade à duna?
A mesma coisa. Continua lá. Não sei se à espera que o tempo o faça esquecer.
O presidente da câmara tem criticado a forma como a NAU terá apressado, ou não fiscalizado devidamente, as obras na escola dos Correios. Quer explicar?
Fizemos intervenções em todos os centros escolares pelo concelho e deixámos a escola n.º 1 para o fim. Uma obra desenhada por Maia Gomes, um grande arquiteto vilacondense, que fez um trabalho exemplar no centro de Vila do Conde. Só que houve um problema de uma infestação, que não podíamos prever, e que serviu para quem veio a seguir fazer alarido. A escola era admirada por todos, logo era preciso denegrir. Se a situação está mal, eu digo: tratem-na, é para resolver; mas preferiram dizer: matamos. Só porque era preciso denegrir.
E pronto, esta foi a 1.ª parte da entrevista a Elisa Ferraz.
A segunda, a publicar amanhã, terá uma componente mais política e nela que fundadora da NAU explica o fim do “seu” movimento independente.
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