Estão a chegar as autárquicas. Eleições sempre especiais e que desta vez serão marcadas pelo regresso de várias Freguesias, desagregadas pela quase unânime reversão da Lei Relvas. Quase unânime porque, para a Iniciativa Liberal, “os partidos do costume criaram mais 300 freguesias”, o que, na sua mundividência, significa “mais Estado, mais despesa e mais tachos”. Pois fossem as freguesias apenas uma questão de “Excel” e também diria o mesmo… Mas as freguesias não são uma questão matemática. São, primacialmente, uma questão política. De respeito pela identidade histórica duma comunidade e pela legítima aspiração desta se organizar politicamente para a execução das necessidades colectivas.
Recorde-se que as autarquias locais (entre as quais as nossas freguesias) surgiram num contexto de luta contra o Estado absoluto e, mais tarde, napoleonicamente centralizado. E, historicamente, foram os liberais os que mais pugnaram pela descentralização e pelas “liberdades locais”, traduzidas na existência de autarquias com órgãos eleitos pelos seus residentes. Foi, aliás, o próprio Alexis de Tocqueville que, num dos maiores tratados de liberalismo clássico (Da Democracia na América), dissertou sobre as autarquias locais como forma de colmatar o perigo da democracia redundar na “tirania da maioria”. Para o autor, o poder autárquico é um intermediário entre o Estado central e os cidadãos, tendo as autarquias um carácter natural, ou seja, anterior ao Estado racionalizado, fruto da espontânea organização na convivência comunitária. E se Tocqueville não for suficiente para as consciências liberais, pois também John Stuart Mill advogou a imperiosidade das autarquias, sendo estas, para este irredutível autor liberal, uma “escola de democracia” para os eleitores e eleitos locais. Ainda, e na senda destas grandes referências do exterior, registe-se o nosso municipalismo oitocentista, defendido pelos primeiros liberais portugueses, como Alexandre Herculano, precisamente contra o velho e gordo Estado central.
Pois bem. Sempre pensei que a IL procuraria ser herdeira destes legados. Mas não. O liberalismo da IL já não vai além de um liberalismo de pacotilha. Resultante de quem substitui a literatura e os clássicos pelos TikToks e podcasts. De quem se exime à reflexão política com a mesma facilidade com que “escreve” comunicados no ChatGPT, arrogando-se mais competente do que “qualquer boy do PS ou PSD”. De quem acha que consegue implementar o “Lean Six Sigma” na Administração Pública num estalar de dedos, ignorando as dificuldades de uma gestão adstrita ao interesse público, sem a autonomia privada do mundo empresarial e limitada pelo princípio da legalidade…
Mas enfim, estão a chegar as autárquicas. E a IL vai a votos. Ao que parece, incluindo em Vila do Conde. Aos candidatos da terra, pergunto: também são contra a autonomia das populações de Rio Mau, Arcos, Retorta, Tougues, Fornelo, Vairão, Malta e Canidelo? E, já agora, estarão os seus candidatos às Freguesias à procura de “tachos”?
Nota: Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja o que traz aqui).
Outros autores de opinião: João Paulo Meneses, Abel Maia, Gualter Sarmento, Joaquim Pereira Cardoso e Fátima Augusto