A maioria dos meus amigos considera imperioso esclarecer os votantes do partido Chega sobre as reais intenções dessa força política e procurar perceber os motivos dessa escolha. Rejeito a necessidade de os esclarecer. Em primeiro lugar, porque estaria a agir de forma paternalista e presunçosa. “Convencer é uma falta de respeito. É uma tentativa de colonização do outro”. Dizia Saramago e eu subscrevo. Depois porque a argumentação é estéril na luta contra a demagogia.
Já li estudos sobre este fenómeno que leva gente pobre a votar em quem defende os interesses de gente rica. Estudos interessantíssimos que cruzam dados, equacionam causas próximas e outras considerações. Todavia, apesar de desamparado por formação científica quero, de forma empírica, emocional e à luz do mais elementar sentido de justiça, contribuir com esta reflexão que, acredito, influencia parte desses 22,76% do eleitorado.
Refiro-me à mesquinhez que domina muitos indivíduos que conhecemos no local de trabalho, no café ou na vizinhança, que consideram que mais importante do que a própria situação é que o vizinho não esteja melhor. E se este tiver cor ou sotaque diferentes, então é que não pode mesmo ter casa mais arranjada ou carro maior. Essa enraizada sovinice e egoísmo impede-os de ver quem é o verdadeiro inimigo e facilita a exploração oportunista de partidos sem escrúpulos, originando resultados eleitorais tristemente surpreendentes.
Talvez tenha sido assim que Beja, eternamente esquecida pelo Poder mas sempre defendida pelos comunistas, tenha oferecido aos fascistas o dobro dos votos da CDU. E Baleizão tivesse traído Catarina Eufémia, presenteando o herdeiro do regime que a assassinou com o mesmo número de votos do que o atribuído ao ideal pelo qual deu a vida.
O que sentiria qualquer resistente antifascista ouvindo alguém que tremelica com uma crise de azia vangloriar-se de ter matado o partido de Álvaro Cunhal que, na luta pela Democracia e Liberdade para o seu Povo, suportou corajosamente as agruras da clandestinidade, da perseguição, da prisão, da tortura e do exílio? E se os 2/3 de deputados de Direita e Extrema-Direita apunhalarem a Constituição extinguindo Direitos, Liberdades e Garantias que tanto custaram a conquistar?
Valeu a pena lutar por vós?
Nota: Este artigo está na última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja 1.ª página aqui)
Outros autores de opinião: Abel Maia, Abel Maia, Pedro Pereira da Silva, João Paulo Meneses e Carolina Vilano