Não há São João sem sardinha, nem sardinha sem festa. Pequena no tamanho, gigante na tradição, a sardinha é rainha das noites quentes de junho. Sai das Caxinas, junto à Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, e a cada passo — pela Rua dos Pescadores, depois subindo ao Cimo de Vila, passando pela Rua da Igreja e a do Lidador — o cheiro a sardinha assada guiando-nos como procissão pagã até ao coração de Vila do Conde, onde o São João se faz de brasa, riso e tradição.

Do pão ao prato, da grelha à conserva, a sardinha é versátil como poucos. Come-se à mão, sem pudores, com os dedos cheios de azeite e o coração cheio de alegria. Pode ser petisco ou refeição, iguaria de tascas e mesas de toalha bordada. Há quem a prefira com pimentos, quem a junte a uma salada fria ou a sirva com arroz malandro — mas há uma certeza: a sardinha nunca desilude.

No seu lombo cabe o mar, a memória e a resistência. A sardinha não precisa de luxo: basta-lhe o lume e a companhia. Une vizinhos, famílias e desconhecidos, num ritual quase sagrado de convívio e partilha. É símbolo de uma gastronomia que vive da simplicidade, mas que não abdica do sabor.

E mesmo fora da grelha, ela reinventa-se: é musa de artistas, estampa de postais, adorno de marchas e de camisolas populares. A sardinha é cultura, é festa, é identidade.

Diz o ditado que a sardinha — como a mulher — quer-se pequenina. Mas a verdade é outra: nem a sardinha, nem as mulheres da nossa terra, cabem nessa medida. Foram feitas de resistência e sal, lembre-se Isabel Lhano, que lhes eternizou a força no mural da antiga seca do bacalhau — e das palavras de Valter Hugo Mãe: “Este foi o mar das mulheres. Aqui se glorificaram e aqui naufragaram.”

A sardinha, modesta e firme, é delas (e da Isabel), também — memória viva, fumo que une, sabor que perdura.

Este artigo está na edição em papel do seu jornal Terras do Ave que já encontra nas bancas.

Outras opiniões são assinadas por Romeu Cunha Reis, Miguel Torres e Sara Padre (veja a 1.ª página aqui).

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