O recente apagão em Portugal representou mais do que uma falha energética, foi um espelho da fragilidade que ainda habita o quotidiano de muitos portugueses. De repente, a luz desapareceu e, com ela, ressurgiram fantasmas de um passado recente.
Durante a crise pandémica, vivemos sob o domínio da imprevisibilidade, o que gerou insegurança e incerteza. O medo infiltrou-se nos lares de cada um de nós, nas rotinas, na impossibilidade de partilha de afectos tendo em conta o receio de contágio vírico. Assim, o medo do futuro instalou-se como uma verdade dura que custa a assumir e passou a moldar o nosso olhar sobre os dias seguintes.
Recentemente, o evento do apagão, ainda que breve, reacendeu em larga medida essa sensação de vulnerabilidade colectiva: a de que o que tomamos por garantido pode, num instante, deixar de existir.
As reações podem ir da inquietação à agitação, da apatia à introspecção ou mesmo à negação de qualquer sentimento associado à situação em causa. Todavia, todas elas partilham um denominador comum: a necessidade humana de segurança e de controlo. Só sabemos que, quando estes nos são subtraídos, o nosso equilíbrio interno é atingido.
Importa, por isso, olhar para estes eventos como um convite à reflexão sobre como estamos a cuidar da nossa saúde mental, enquanto sociedade, e enquanto indivíduos particulares. Será que, na verdade, o apagão maior não é o que se instala quando ignoramos o impacto emocional do imprevisível?
A imprevisibilidade é um dos maiores geradores de angústia psicológica. Pela sua natureza, o ser humano organiza a sua vida em torno de rotinas, planos e expectativas. Estas não são meras conveniências, são estruturas psíquicas fundamentais que garantem sentido e segurança. Ora, quando o inesperado rompe esse equilíbrio, instala-se o desconforto, e até o pânico.
Por isso, não é o apagão em si que desorganiza emocionalmente: é o que ele simboliza. Ele recorda-nos, de forma abrupta, que a nossa noção de segurança pode ser ilusória, que controlamos muito pouco, que basta um minuto para que tudo mude, que não temos, afinal, tanto domínio como gostaríamos de acreditar.
O apagão ainda representa uma oportunidade de reflexão sobre como estamos a cuidar de nós, dos outros, e do mundo em que vivemos.”
Este artigo está na edição em papel do seu jornal Terras do Ave que já encontra nas bancas (veja aqui a 1.ª página).
Outras opiniões são assinadas por João Paulo Meneses, Romeu Cunha Reis, Rui Saavedra, Elizabeth Real de Oliveira,Miguel Torres e Carolina Vilano.
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