Tivemos ontem a oportunidade de publicar a 1.ª parte de uma entrevista que Artur Brás Marques concedeu ao Terras do Ave e que encontra na íntegra na edição em papel do seu jornal.

O advogado, com 85 anos de idade, foi uma das principais personalidades do Partido Social Democrata local, logo a seguir ao 25 de Abril, tendo liderado a concelhia durante uma década.

E é essa vertente mais política que abordamos neste novo trecho. 

 

No dia da revolução, 25 de Abril em concreto, onde estava?

Uma amiga alertou-me durante a noite de que algo estava a acontecer, mas de manhã fui na mesma da minha casa, em Vilar, para o Porto, para o escritório do meu patrono. E não tive problema nenhum.  Quando cheguei disseram-me que ele não iria aparecer porque era presidente da junta e estava ligado ao regime e, mais tarde, veio a espontaneidade: o Porto todo na rua.

Estava já ligado a algum movimento político?

De alguma forma, porque trabalhava perto do escritório do Dr. Francisco Sá Carneiro que sempre admirei. Dei-me com os irmãos e o pai ainda. Tínhamos uma grande ligação também no campo político.

Daí que tenha sido convidado para liderar o PSD em Vila do Conde…

Sim, chegou um ponto em que sou contatado pelo Orlando Taipa e aceitei.

E como eram esses tempos?

Fazíamos sessões de esclarecimento em todas as freguesias, às vezes três vezes por dia. E as salas estavam sempre cheias.

Tem alguma peripécia desses primeiros tempos de democracia?

Uma vez um indivíduo do CDS, que não vou identificar e de quem até sou amigo, queria começar o comício com o povo a rezar o Pai Nosso e eu, que até tinha formação religiosa, tive de lhe dizer que não podia ser, que as sessões tinham de ser para todos, para os que tinham credo e sem credo. Custou, mas convenci-o.

Estávamos no célebre “Verão quente”…

Um tempo complicado e com pessoas que abusavam. Não vou dizer o nome, mas ainda hoje conheço uma pessoa, que era caseiro de uma casa de lavoura e que então veio às Finanças e pôs todas terras que fazia em nome dele.  Se isto aqui foi assim, imagine o que se passava lá para o Alentejo.

Os comícios também eram animados. Recorda-se de algum especial?

Um dos maiores foi com o Emídio Guerreiro [secretário-geral do PPD em 1975]. Trouxe-o cá, mas à frente da sede tínhamos uma Berliet [viatura militar] e por detrás o Partido Comunista.  Mas consegui que viessem pessoas de Famalicão e do interior do concelho e se colocassem por detrás [dos comunistas]. Ou seja, rodearam tudo aquilo e foi um comício extraordinário com um discurso empolgante do Emídio Guerreiro. Mais tarde fizemos também no Cineteatro Neiva com o Adelino Amaro da Costa.

Há quem diga que Vila do Conde é um feudo socialista, mas também já ouvi dizer que na sua essência é uma terra PSD. Qual é a sua ideia?

Tenho esta ideia definida desde o princípio: Vila do Conde é social-democrata. Ponto. O facto do Partido Socialista estar no poder até hoje deveu-se a um fenómeno: uma traição a Vila do Conde. Em 1974, nós, de todos os partidos, estávamos todos de acordo em indicar um determinado nome para a primeira comissão administrativa municipal. Mas chegou-nos uma comunicação a dizer que o Dr. Fernando Gomes, que estava no quartel da Póvoa, tinha sido escolhido pelo Apolinário Reis Pereira [comandante da unidade militar] por indicação do Raul Rego [um dos influenciadores do Movimento das Forças Armadas]. E pronto, deixou de haver entendimento e cada partido foi para o seu lado. Sentimo-nos traídos. Depois vieram as autárquicas, o Fernando Gomes ganhou e passado pouco tempo entrou o Mário Almeida e foi o que se viu.

Nas primeiras autárquicas em 1976, o PSD não teve hipótese também?

Indicamos alguém que tinha fábricas. E as trabalhadoras das conservas das Caxinas e do resto da cidade de Vila do Conde disseram logo que não votavam em alguém ligado ao patronato. Não era propriamente por causa da pessoa escolhida, mas tem de se ter em conta o espírito da época. Mas a diferença foi curta porque ganhamos em muitas freguesias.

Ainda assim, não vê Vila do Conde como um município de esquerda?

Nem de esquerda nem de direita, pelos menos nos seus extremos. A maioria das pessoas são sociais-democratas, reformistas como o PSD também o é, pela sua natureza. Inclusive está nos seus estatutos e era o que o Sá Carneiro mais dizia. O povo de Vila do Conde é muito ordeiro, trabalhador e pacato, mas quer uma sociedade em que o Estado não domine as pessoas.

Esteve cerca de uma década à frente da concelhia, correu tudo bem?

Apesar de tudo, foi tudo muito tranquilo e tivemos sempre muitas freguesias connosco. Com exceção do último mandato em que um elemento da minha comissão não conseguiu fazer listas para cinco freguesias e condicionou o resultado.

Nessa altura também estava ligado aos órgãos nacionais do partido?

Sim, por inerência e fui a quase todos os congressos.

E quando terminou a sua presença nos órgãos da concelhia afastou-se da política?

Dos cargos dirigentes, sim, mas acompanhei sempre o partido.

E como vê a política atualmente em Vila do Conde?

O PS está esfrangalhado e não sei se vai aguentar porque a Câmara não funciona. As pessoas têm posições negativas em relação à autarquia.

O PSD poderá ser uma alternativa?

Tenho muito simpatia pela Luísa Maia que é muito trabalhadora e tudo mais. Mas talvez não seja a pessoa indicada para enfrentar o Vítor [Costa, atual presidente] e ter um bom resultado. Oxalá tenha, mas quem era da NAU pode beneficiar o PS.

A entrevista na íntegra está na edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja 1.ª página aqui

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