Artur Brás Marques continua a ter um espírito arguto que lhe faz disparar frases curtas, mas com alvos certeiros. O advogado nasceu em Esposende há 85 anos, fez grande parte da sua vida na freguesia vilacondense de Vilar e, no pós-25 de Abril, foi uma das principais personalidades do Partido Social Democrata local tendo liderado a concelhia durante uma década.

Foi o convidado para uma entrevista inserida na rubrica “O que é feito de si” e o que revela integra história de Vila do Conde – do passado e do presente – e contém dicas para um futuro que deseja melhor.    

Hoje publicamos um 1.º trecho e contamos amanhã adicionar uma nova parte.

A entrevista está, no entanto, na íntegra na edição em papel que ainda encontra nas bancas.  

 

Onde nasceu , quando e o que faziam os seus pais, e quantos irmãos teve?

Nasci no dia 26 de janeiro de 1940, no lugar de Rio de Moinhos, em Marinhas, Esposende. Fomos nove irmãos [Francisco, Artur (este entrevistado),Manuel, Maria José, Augusto, José, Amélia, Rosa e Fernando] e os meus pais [José e Rosa] estavam ligados à agricultura. Criei-me no meio das vacas [risos].

Onde estudou enquanto menino e moço?

Na escola das Marinhas e no Seminário Claretiano dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia. E nos dois sítios tenho dois episódios que me marcaram muito porque me moldaram a forma de ser. Primeiro, nas Marinhas, foi partido um tinteiro e a professora queria que eu dissesse quem foi o autor ou que pagasse 10 escudos. Como não tinha sido eu, recusei-me a fazê-lo e não denunciei ninguém. Chumbei e acabei por ir para a sala de outro professor que batia muito nas crianças. Disse-lhe: a mim é que não vais bater e saí da aula. Acabei, mais tarde, por voltar para a primeira professora e aprendi tudo com ela, de forma espetacular.

E em Gaia?

Num jogo de hóquei em campo um aluno mais velho quis-me bater, mas defendi-me e acabou por ser ele a partir um dedo. O Prefeito queria que eu pedisse desculpa, mas perante a injustiça recusei a fazer e apanhei um castigo de três dias de retiro. Aquilo também me marcou. E mais tarde, quando estou a preparar o noviciado saí do seminário.

E foi logo para universidade?

Fui trabalhar na Agros com o meu irmão Manuel. Aos 18 anos emancipei-me e fui fazer um estágio de copista no Tribunal de Esposende. Concorri a funcionário judicial e fiquei em Santo Tirso, mas acabei por fazer uma permuta com outro funcionário.  Entretanto, no Liceu da Póvoa fiz Letras e as Ciências em Braga. Entrei em Direito em Coimbra, mas um dos anos, o quarto, fi-lo em Lisboa.

Mas continuava a trabalhar?

Sim. Já tinha casado [com Maria de Fátima] e, como funcionário, pedido a transferência para o Porto.

E como conseguia acumular o trabalho com os estudos?

Perdendo as noites ou, nas férias, enquanto os miúdos [dois filhos] iam para a praia, eu ia para o Restaurante S. João estudar.

Terminado o curso, vai para estágio e quem é o seu patrono?

O Dr. Américo Seixas, na cidade do Porto.

E quando se inscreve na Ordem dos Advogados?

Em 1974. Aliás, acabei há poucos dias de receber os parabéns da Ordem e um convite para uma homenagem, em Faro, pelos 50 anos de carreira.

E onde é que abre o seu primeiro escritório?

No Porto, na rua José Falcão e aqui, em Vila do Conde [na Av. DR. João Canavarro]. E este local tem um episódio curioso. Certo dia, logo a seguir ao 25 de Abril, uma pessoa ligada ao PCP diz-me que iam ser tomadas as casas do eng. Arlindo Maia e do Dr. Moreira Maia. Pus-me logo em campo e ambos conseguiram ir para outros locais. Mais tarde, perguntei aa eng. Arlindo Maia se tinha um local para montar o escritório e ele cedeu-me este espaço, não obstante estar apalavrado para outro advogado. Ficou para mim e a um preço mais baixo.

E como era a advocacia em Vila do Conde antes do 25 de abril?

Havia poucos advogados, cinco ou seis no máximo. E era uma advocacia muito caseira. Depois apareci eu e o falecido Dr. Miranda Ribeiro, novos e cheia de força, e avançamos também para casos da Póvoa, Barcelos, Matosinhos, Porto…

É uma profissão com prestígio…

Vou-lhe dizer uma coisa que me tem guiado na vida. Formei-me advogado pelos valores que queria defender, não pelo dinheiro que ia ganhar. Eu não tinha a noção se um advogado ganhava muito ou pouco, mas queria defender as pessoas. O problema da advocacia é quando recebe pessoas que só lá estão para ganhar dinheiro. Devemos ter coração. O dinheiro faz falta, mas não conta.

A profissão tem, no entanto, de garantir não só a subsistência.

Obviamente. Temos de comprar tudo para trabalhar e lidar com o Fisco que é o pior problema que temos. É um monstro. Era preciso, de facto, reformar a Lei Geral Fiscal. Estamos ainda a conviver com diplomas que a “Troika” teve de tomar e ninguém resolve aquilo. Se tiver uma dívida às Finanças não paga 4 por cento de juros, mas pode pagar 30 por cento. E ninguém tira isto? E ninguém fala nisto?

Como é liderar uma família de advogados?

Já tenho dito aos meus filhos [Pedro e Daniel] que não consegui fazer uma sociedade de advogados, mas houve razões para isso. Conheci bem o Porto e não houve nenhuma sociedade familiar que resistisse. Estive sempre com um pé atrás e mantive as rédeas do escritório tal como neste momento, apesar de, reconheço, estar um bocado cansado.

E na terceira geração haverá continuidade? 

Tenho duas netas médicas. Uma está no Hospital de Braga a fazer o internato [Patrícia]. E a outra está no São João [Francisca]. E tenho mais duas: uma já formada em Gestão e Direito que está na Bel Portugal [Catarina] e outra, a mais nova, filha do Daniel, a Matilde, que ainda está a estudar. Vamos ver.

E pronto esta é a primeira parte da entrevista ao advogado Artur Brás Marques, amanhã contamos publicar uma abordagem mais política.

A entrevista na íntegra está na edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja 1.ª página aqui

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