Eu juro que me esforcei.
Durante mais de 12 anos a viver no estrangeiro, em que praticamente toda a atividade profissional foi em inglês, consegui separar as minhas duas línguas principais de uma maneira quase perfeita, muito melhor do que alguns episódios breves de conduzir em contramão e meter mudanças na porta do carro.
O meu inglês foi melhorando e o meu português estagnou mas sempre evitei estrangeirismos dos dois lados. Cada língua era uma única entidade e não existiam quaisquer confusões ou misturas. Aquilo que mais me envergonharia na vida era dizer um dia algo parecido com o clássico “Michel tu vas tomber” ou em inglês “Mike, you’ll gonna fall”.
Sempre foi um motivo de orgulho sentir que não era um emigrante daqueles à moda antiga, apesar do meu carro ter matrícula amarela e de gostar particularmente da música “Vem devagar emigrante” de Graciano Saga.
Mas eis que nasceu uma criança e passados dois anos já diz mais de 100 palavras nas duas línguas (confesso que anotei a primeira centena mas já não consigo aguentar o ritmo) e a partir daí, abriu-se um novo mundo linguístico. Dou por mim a dizer: “Vamos vestir o casaco e por os shoes para irmos na Yay ver flores e au au aus”. Na verdade até há uma terceira língua, o laurês em que yay significa bicicleta e jingle significa Pai Natal.
Agora entendo bem aqueles pais franceses da criança que ia tomber. O objetivo de falar é que o nosso interlocutor nos entenda, e se essa pessoa mistura duas ou três línguas, nós também vamos misturar as línguas mas de uma maneira muito precisa onde estamos com uma precisão cirúrgica a selecionar a palavra certa na língua certa constantemente.
É como jogar um sudoku cada vez que sit down com a bebé a ver fuick fuacks do urso.
Este artigo integra a última edição em papel do seu jornal Terras do Ave (veja 1.ª página aqui)) .
Outros autores: João Paulo Meneses, Romeu Cunha Reis, Elizabeth Real de Oliveira, e Carlos Real.

