O espírito de Kafka tem mais do que motivos para continuar por terras de Vila do Conde. Prolonga-se ligeiramente a sua estadia, mais longa do que quiçá esperava, não fosse suposto esta ser uma terra de democracia e brandos costumes… É que a Assembleia está prestes a atingir o ponto de ebulição.

Prestes a entrar em cena, eis o terceiro grande protagonista, o partido do poder, socialista, mas só de nome, representado pelo seu porta-voz parlamentar, presumível aspirante a Conde e seu mensageiro por vocação, cujo espetáculo de vaidade se resume ao ataque e insulto às outras forças políticas, sem qualquer pudor.

No constante gozo aos deputados da oposição, como se estes, pelo exercício dos seus deveres de sindicância política, fossem os palhaços do circo, o porta-voz, deputado astuto e experiente, ao menor sinal de retaliação, veste-se de vítima e ergue a bandeira da democracia e do respeito. Com esta dupla personalidade, marcada pela defesa de tudo e o seu contrário ao longo de quase duas décadas de deputado na Assembleia, consoante o que convier ao seu partido, este ator é a encarnação humana da incoerência e do “duplo-pensar” orwelliano, transformando os números em legos e arremessando a legitimidade eleitoral como escudo para encobrir os casos de (aparente) incompetência ou (aparente) abuso de poder do Conde e do seu partido.

Mas por mais que a Assembleia o fascine, Kafka sabe que já é hora de partir. O seu lar espera-o. E o essencial já foi compreendido. Não lhe faltará inspiração para a escrita da sua obra.

Neste triunvirato do Conde com a sua Marquesa (entretanto, aposentada) e o seu porta-voz, Kafka deleitou-se com este microcosmo.

“A Assembleia” é a arena onde a legalidade parece uma marioneta nas mãos destes três atores e as boas práticas democráticas não passam de um conceito perdido nas sombras do passado. A democracia é a conveniente fachada para os interesses do poder instalado e a sátira acabará por ser a única forma de retratar esta degradante realidade a que se vai assistindo na política local da Vila (do Conde).

“A Assembleia” é um cenário fictício. Qualquer semelhança com a realidade é fruto da coincidência. Ou da tentativa de a realidade procurar imitar a ficção…

Publicado no jornal a 10 de julho. Outras opiniões:  Elizabeth Real de Oliveira, Romeu Cunha Reis, Miguel Torres, João Paulo Meneses e Sara Padre

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