No próximo feriado nacional, o local onde se encontra o conjunto escultórico alusivo à revolução, à Guerra colonial e às famílias dos soldados será “batizado” como “Praça dos Vilacondenses Combatentes na Guerra do Ultramar”. Esse momento, inserido no programa oficial do município das comemorações do 25 de abril, serve de mote à entrevista a Manuel Nascimento Azevedo, o presidente da associação social e cultural que reúne homens que, na sua juventude, estiveram em África a combater em nome da pátria. Um conjunto amputado já que quarenta e dois morreram nas várias frentes em conflito.

A praça nos Cais dos Assentos vai passar a denominar-se Praça dos Combatentes Vilacondenses na Guerra do Ultramar. Qual é o significado desta atribuição para a associação?

Sobre a localização, está lá o pilar rasgado pelo 25 de abril, o militar (que devia ter a cabeça coberta) e a mulher que pode ter sido a irmã, a namorada, a mulher ou a mãe de cada um. E só a minha [mãe] viu partir quatro filhos para a guerra. É, pois, um espaço nobre cheio de simbolismo. E é muito importante que as novas gerações saibam que Portugal esteve envolvido numa guerra, na Guerra do Ultramar. O nome [da praça] pode estimular que façam buscas na Internet e nos livros – e mesmo junto dos mais velhos – para saberem o que se passou. E que compreendendo que foi uma guerra que nos foi imposta, deem mais valor à liberdade que hoje têm.

Quantos vilacondenses morreram na Guerra do Ultramar?

Ficaram quarenta e dois militares, de todo o concelho, em 13 anos de guerra.

E quantos foram mobilizados?

Cerca de três mil jovens. E que foram para a Guerra quando estavam na força da vida, com 18, 19 e 20 anos vendo-se impedidos de aumentar o seu pecúlio e prejudicados em termos de descontos para a Segurança Social. Os combatentes formaram uma juventude perdida, vítima de injustiça e sem liberdade.

Será esse o mote para a sua tradicional alocução no dia 25 de Abril?

Vou falar sobre os problemas que persistem. Muitos dos combatentes sobrevivem com reformas de miséria e não têm sequer dinheiro para comprar os medicamentos que precisam para combater doenças que ganharam lá, na guerra. Ficaram mal por terem estado num sítio para onde foram obrigados a ir. E hoje o Estado, que os mandou, não cuida de quem o serviu.

Por exemplo…

Porque é que o Estado não fornece a medicação gratuita a quem combateu em seu nome? Além disso, nenhum combatente devia ter uma reforma abaixo do valor do salário mínimo nacional, como tive oportunidade de dizer à anterior ministra da Defesa. Ela mostrou-se sensível, mas a situação continua igual para 400 mil pessoas. Continuam a existir pensões miseráveis. O que são 300 ou 400 euros de rendimento por mês para quem deu tudo à sua pátria? O que se passa com os ex-combatentes é uma vergonha para o Estado português.

E o que espera do atual ministro Nuno Melo?

Já o conheço e tenho boas expectativas. No passado recente mostrou que é uma pessoa sensível aos nossos problemas e que conhece com um pouco do que se passou com os antigos combatentes. Espero que possa melhorar as questões da assistência médica e do rendimento das pessoas, enfim que possa abrir um pouquinho mais os cordões à bolsa.

De que forma a associação tem procurado auxiliar os combatentes?

De muitas formas e não só os homens. Por exemplo ajudamos as viúvas a terem também o direito ao Andante [passe de transporte] e a garantir a pensão anual de 150 euros por ano que só é atribuída se for pedida. O que não faz sentido nenhum, diga-se. A transição devia ser automática quando o marido morre. Na associação também podem ser obtidos esclarecimentos ou apoios de uma psicóloga e de uma assistente social no tratamento de situações mais complexas. E tratamos também de alguma documentação.

Além do convívio…

Também é uma parte importante. E, já agora, vamos organizar o nosso convívio anual a 11 de maio em Outeiro Maior que já vai para a 27.ª edição. Veja lá, no primeiro encontro fomos 600 pessoas hoje já somos muito menos. Depois teremos o passeio anual a Viseu e S. Pedro do Sul em 21 de julho e a gala de fados lá para o outono. São atividades, essas e outras, que temos procurado transmitir no Aerograma, o nosso jornal e que, este ano, está a festejar o vigésimo aniversário. Tem saído graças ao apoio da Câmara Municipal.

Como se mantém a associação financeiramente equilibrada?

A associação recebe um pequeno subsídio anual da Câmara Municipal a rondar os três mil euros. As instalações são gratuitas e ainda vamos recebendo alguma cotização daquelas pessoas que têm mais algum [dinheiro] já que muitos combatentes, repito, não têm liberdade económica para se alimentarem convenientemente nem dinheiro para ir buscar os medicamentos à farmácia.

E quando termina o seu mandato? Pretende continuar?

Em 2025. Já tenho 77 anos, sinto-me cansado e é sempre o mesmo: peço para alguém ir a eleições, mas nunca aparece ninguém. O voluntariado e a dedicação permanente têm tendência para acabar porque agora as pessoas, antes de irem para as associações, perguntam quanto vão ganhar. E na nossa não se ganha nada, muito pelo contrário. Nós temos três ou quatro elementos que são o suporte da direção e o resto só aparece de vez em quando. Vamos ver o que o futuro nos reserva.

 

O 25 DE ABRIL E A GUERRA NA GUINÉ

Onde estava no dia da Revolução em 1974?

Já trabalhava na cidade do Porto na Desportiva [Escola de Condução] e foi uma alegria imensa por todo o lado. Íamos no comboio para trabalhar e fazíamos a viagem aos abraços. E até os mais bem instalados na vida saíam à rua. O 25 de abril foi verdadeiramente do povo. E a sua essência foi a liberdade que trouxe às pessoas em concreto, e não só aos partidos políticos. Politiza-se muitas vezes a nossa vida, quando há muito mais para além disso. Para nós, que andámos de arma na mão e sabíamos o que era a guerra, acreditamos que finalmente ia acabar aquele martírio para uma geração.

Esteve na Guiné que, como é sabido, foi dos sítios mais complicados na Guerra do Ultramar. Também para si?

Fui em maio de 1968 e vim em abril de 1970. Estive 23 meses e 17 dias. E não duvido que o problema que tenho no coração resulta em grande parte dos constantes sobressaltos com os tiros. Quando pensávamos que estava tudo calmo, ouvia-se uma rajada e ocorria-me – a mim e aos outros – mais uma descarga de adrenalina. Isto sistematicamente, dia após dia. E também havia o medo nas saídas em que só tínhamos a referência de quem ia à nossa frente e quem estava atrás. O modo como vivíamos também não contribuía para a saúde psicológica. Repare: naquele programa Big Brother, passado pouco tempo de os jovens estarem numa mesma casa com todo o conforto, começam a ficar maluquinhos. Ora nós estivemos a viver em abrigos com 8/10 metros passando de uns para os outros através de valas. E estivemos naquilo durante meses a fio.

E qual foi o pior momento que passou?

Durante muito tempo não consegui falar nisso, mas agora continua a custar, mas já consigo. Foi no dia 2 de novembro de 1969. Um rapaz inexperiente deixou cair a granada de uma bazuca na parte traseira de um camião que transportava 42 homens. Tivemos de tirar todas as vítimas dali e havia muitos soldados mortos e outros que ficaram sem membros. Foi o caso de um camarada de Guimarães que quando o puxamos, as pernas ficamos para trás. Ainda assim, e com um sorriso nos olhos, pediu para encostar a cara dele à minha só para dizer-me ao ouvido: Azevedo – como me chamavam – Deus acabou com o meu sofrimento, o vosso continua.
E partiu…

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